terça-feira, 28 de julho de 2009

INTERESSERE

INTERESSERE – Décio Pignatari

Na vida interessa o que não é vida
Na morte interessa o que não é morte
Na arte interessa o que não é arte
Na ciência interessa o que não é ciência
Na prosa interessa o que não é prosa
Na poesia interessa o que não é poesia
Na pedra interessa o que não é pedra
No corpo interessa o que não é corpo
Na alma interessa o que não é alma
Na história interessa o que não é história
Na natureza interessa o que não é natureza
No sexo interessa o que não é sexo
(: o amor que de resto, pode ser abominável)
No homem interessa o que não é homem
Na mulher interessa o que não é mulher
No animal interessa o que não é animal
Na arquitetura interessa o que não é arquitetura
Na flor interessa o que não é flor
Em Joyce interessa o que não é Joyce
No concretismo interessa o que não é concretismo
No paradigma interessa o que não é paradigma
No sintagma interessa o que não é sintagma
Na política interessa o que não é política
Em tudo interessa o que não é tudo
No signo interessa o que não é signo
Em nada interessa o que não é nada
Interessere.

GRITO E ESCUTA

17.07.2009
Grito e Escuta

Foi o poema Interessere, de Décio Pignatari, que deu o tom da abertura da apresentação oficial da 7ª Bienal do Mercosul, na manhã do dia 16 de julho. E se na arte interessa o que não é arte, eis o projeto curatorial da mostra: uma reflexão sobre o papel e a pertinência do artista nos dias de hoje. Para além de suas obras, os olhares recaem sobre seus processos reflexivos, em uma Bienal centrada na práxis: sem um tema específico, mas com uma forma particular de trabalhar.

Forma esta que aparece desde o título. Grito e Escuta é uma tentativa de dar voz e ouvidos à produção contemporânea, criando canais multidirecionais de comunicação – de artistas cujas obras impactam a sociedade a artistas que respondem aos ruídos do mundo. E mais: ao propor espaço e mobilidade ao visitante, a Bienal permite que também ele se comunique. “Esta edição busca confirmar a autonomia do espectador, com vários roteiros, sem ser estática”, enfatiza a argentina Victoria Noorthoorn, curadora-geral ao lado do chileno Camilo Yáñez.

Junto deles está uma equipe curatorial formada por oito artistas – muitos deles vivendo suas primeiras experiências do outro lado do balcão. “A idéia foi armar uma grande mesa de conversações, na qual um amplo espectro de poéticas estivesse presente, mostrando a intenção de não colocar a Bienal ligada a uma particular tendência, e sim como representante do que existe hoje”, argumenta Victoria. Para estruturar a edição de 2009, o grupo fez uma espécie de “acoplamento de pensamentos artísticos”, como afirma o curador adjunto Artur Lescher. “Olhamos para o que foi feito nas outras mostras para agregar mais um elo neste encadeamento”, explica.

Assim, em 45 dias de exposição (de 16 de outubro a 19 de novembro) haverá sete mostras: Biografias Coletivas, Ficções do Invisível, Absurdo, Texto Público, A Árvore Magnética, Desenho de Idéias e Projetáveis. Elas estarão nos armazéns A3, A4, A5 e A6 do Cais do Porto, no Santander Cultural e no MARGS, todos no centro de Porto Alegre – cada um deles pensado como potencializador das ideias expostas. “A arquitetura entra como um elemento integrante da própria mostra”, aponta Lescher.

Se, por outro lado, na arquitetura interessa o que não é arquitetura, também é na relação travada entre as obras e os espaços que se encontra a reflexão. Por isso, para além das salas expositivas, a 7ª Bienal se estenderá pelas ruas da cidade por meio de iniciativas que aproximarão os artistas das áreas urbanas. Uma delas é a Radiovisual – um dos três programas desta edição, ao lado do Projeto Pedagógico e da Curadoria Editorial, que articulam os conteúdos entre as diversas exposições. Com curadoria de Lenora de Barros, a rádio atuará sob dois eixos: informativo e experimental, funcionando como canal de comunicação com o público e plataforma de veiculação de conteúdos artísticos. “Nos permitirá oferecer ao público algumas respostas imediatas sobre questões atuais relativas à arte e seus desafios no mundo contemporâneo”, explica Lenora.

Segundo Lescher, que também auxilia a elaboração desta iniciativa, a grade dará conta de conteúdos curatoriais relativos a todas as sete mostras, apresentando desde músicas até peças sonoras ligadas a elas, além de materiais históricos. “A idéia de referência, nesta Bienal, é muito forte. Estamos sempre trabalhando com referentes. São as múltiplas leituras, a possibilidade de você reconstruir leituras das obras, e a rádio reproduz um pouco disto”, explica.

Mas como também na história interessa o que não é história, a Radiovisual terá espaço para a transmissão de ações sonoras desenvolvidas na cidade e de conteúdos sobre os artistas que participam do Programa de Residências, em comunidades de diferentes regiões do Rio Grande do Sul. Além disto, Lenora propôs a mais de cem artistas que desenvolvessem peças para o programa Ao redor de 4’33” – referência clara à obra do compositor norte-americano John Cage, criada em 1952, que consiste em quatro minutos e 33 segundos em que o músico não deve executar nenhuma nota.

Do lado mais informativo, estarão entrevistas e debates com convidados, além de comunicados práticos e de serviço sobre a exposição. “Tudo está sendo pensado especificamente. Os programas não serão tradicionais, e estamos tentando construir isto com bastante cuidado”, pondera Lescher. A Radiovisual trabalhará em parceria com a FM Cultura de Porto Alegre, e terá cerca de uma hora diária na grade da emissora. Não foi definido, no entanto, se haverá transmissões ao vivo.

No projeto “atípico e não-usual” proposto pela curadoria-geral, grito e escuta ganham forma na ação e na reflexão que articulam a Bienal como um todo. Mas até em tudo interessa o que não é tudo.

http://www.iberecamargo.org.br/content/revista_nova/reportagem_integra